Conteúdo da Hashitag #19

Os segredos do lámen

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Ovo marinado, broto de bambu, alga nori e chashu acompanham o shoyu lámen Fotos: Nikko Fotografia

“O lámen tem um sabor viciante, daqueles que te fazem querer comer de novo e de novo.” Com essa explicação, a administradora de empresas Simone Xirata exprime um pouco do que é a paixão que os japoneses têm pelo lámen.

É um vício permitido (e saudável) que está em todo canto do Japão, capaz de apresentar características peculiares de cada região dentro de uma única tigela.

De origem chinesa, o prato ganhou as ruas do Japão nos anos 20 e, hoje, conquistou espaço até mesmo no Guia Michelin, com Bib Gourmands e com a primeira estrela dada a um restaurante especializado em lámen, em Tokyo, em 2015.

Ele também já conquistou os americanos com a chegada dos primeiros restaurantes especializados em macarrão oriental em grandes cidades como Nova York em meados de 2005. Considerando que a maior comunidade nipônica fora do Japão está no Brasil, não é de se surpreender que esta paixão também ganhe espaço por aqui.

O lámen perfeito

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No balcão dá para acompanhar o processo de produção do lámen Fotos: Nikko Fotografia

O bowl de macarrão nadando em um caldo saboroso certamente demora mais que três minutos para ficar pronto. Afinal, extrair todo o sabor, as proteínas e minerais dos ingredientes que compõem o prato exige tempo e paciência. Tudo começa na elaboração da receita para encontrar a proporção ideal de ingredientes para fazer a massa, com aquela consistência macia, meio escorregadia e firme o suficiente para não desmanchar na sopa. Continua no cozimento de cada elemento responsável pelo sabor e corpo do caldo, especialmente se o escolhido for o tonkotsu, que leva pelo menos 12 horas para transformar o colágeno, tutano e gorduras dos ossos de porco em um caldo cremoso e opaco.

Na busca pelo melhor tonkotsu, o culinarista americano James Kenji López-Alt, do site Serious Eat, perseguiu os mistérios do sabor, consistência e cor do caldo. A sua obsessão pelas técnicas e explicações científicas de cada prato se transformou no livro, best-seller nos Estados Unidos, The Food Lab: Better Home Cooking Through Science (2015, sem edição em português).

“Ao fazer um fundo no estilo ocidental, cozinhar ossos em água significa remover proteínas solúveis em água do interior e exterior dos ossos e dissolvê-las na solução, adicionando sabor à água. O processo de aquecer e cozinhar também cataliza outras reações, principalmente a conversão de colágeno em gelatina, proteína conhecida que engrossa e enriquece o caldo”, explica López.

Depois de investir mais de 200 horas na cozinha de sua casa testando os métodos de cocção e etapas da receita, ele concluiu que “no caldo tonkotsu, você vai um passo além. Neste caso, ossos são cozidos por um período longo em alta temperatura, o que acaba quebrando outros nutrientes como gordura, tutano, cálcio e outros minerais e proteínas, em pequenas partículas que ficam suspensas no líquido, tornando-o opaco”.

Para o ramen master Takeshi Koitani, o grande segredo da cozinha está naquilo que não se pode ver no prato: os insumos. “Ao produzir o lámen, meu objetivo é que o prato final seja um reflexo da qualidade dos ingredientes escolhidos. É uma forma de agradecer o trabalho de cada um dos produtores na tigela de lámen”, explica.

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O Missô Ramen é servido com um macarrão grosso para acompanhar o caldo mais encorpado Fotos: Nikko Fotografia

Alguns dos ingredientes do caldo, como o shoyu e o missô, são feitos a partir de técnicas artesanais. Por isso, quando veio ao Brasil, Koitani foi atrás de produtores comprometidos com o melhor de seus insumos. “Aqui também existem produtores conscientes que fornecem ingredientes de ótima qualidade”, destaca Koitani ao revelar que encontrou, no interior de São Paulo, shoyu e missô feitos por descendentes de japoneses que desenvolveram técnicas de produção semelhante às adotadas no Japão.

Verduras e legumes sem agrotóxico e animais criados sem antibióticos também fazem parte da lista de compras de Koitani, que explica sua responsabilidade, como chef, de servir alimentos saudáveis. Parte do sabor vem das gorduras e, para deixar o caldo aromático, o chef contou que sua receita também leva óleo de milho, alho, gengibre, cebolinha e cebola tostada. “No Japão, o shoyu lámen é um dos mais emblemáticos porque reflete aquele aroma do molho de soja bastante usado na culinária oriental”, completa.

Outro ponto essencial que Koitani destaca na produção do lámen é a qualidade da água, que é a base de tudo, pois “mesmo reunindo ingredientes bons, se a água não for boa, não conseguimos produzir um caldo de excelência”. Por isso, o chef investiu em filtros e equipamentos para melhorar a qualidade da água no Jojo Ramen.

“Não se trata de ser revolucionário, é mais uma questão de ser rigoroso (e quase obsessivo) com relação à qualidade dos ingredientes que estão sendo usados”, ressalta.

TSUKEMEN

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Tsukemen, vem com o caldo separado do macarrão Fotos: Nikko Fotografia

O tsukemen é uma invenção mais recente, atribuída ao chef Kazuo Yamagishi, que começou a servir o macarrão separado do caldo em 1954 em seu restaurante de lámen localizado em Tóquio. Yamagishi ficou conhecido como o “Deus do Lámen” pela sua dedicação ao trabalho na pequena e disputada Taishoken, onde trabalhou por mais de 50 anos. O reconhecimento ao chef se transformou até num documentário (Ramen Yori Taisetsuna Mono, 2013), produzido pela TV Fuji.
Clique e assista ao trailer de “Deus do Lámen”

Originalidade

Cada região do Japão tem a sua versão de lámen mais popular. São tantas variedades de caldo, de acompanhamentos e de macarrão que é difícil de enjoar.

“O lámen tem características regionais bem distintas, por isso, não existe uma versão correta do que é ‘o’ lámen do Japão”, explica o ramen master Koitani.

Em Tóquio, uma das estelas do cenário “ramenstronômico” é o tsukemen, uma variação servida em dois bowls: um para o macarrão e outro para o caldo bem concentrado. Virou febre na capital japonesa em meados de 2007 e é o preferido do restaurateur americano David Chang, da rede Momofuku. No primeiro episódio da série The Mind of a Chef (“A Mente de um Chef”, em tradução livre, disponível no Brasil pelo serviço de streaming Netflix), Chang vai ao Japão para apresentar o verdadeiro lámen e mostra o que é essa paixão nacional.

Assista ao trailer de The Mind of a Chef

Ao vir para o Brasil, a convite dos sócios do Jojo Ramen, Koitani foi incumbido de compartilhar essa autêntica cultura do lámen. Suas principais influências vêm de Tóquio, onde comanda os restaurantes Jiraigen e Saikoro.

Para a sócia Simone Xirata, a missão do chef e do novo restaurante é apresentar o lámen em sua essência. “Conheci o lámen quando fui para o Japão pela primeira vez, em 2011”, conta a empresária, “e dali em diante comecei quase que uma peregrinação do lámen, provando um bowl diferente em cada cidade por que passei”.

Depois dessa viagem, ela voltou decidida a divulgar o autêntico lámen no Brasil, sem adaptações, até porque serviria também como uma forma de matar as saudades do Japão.

Valorização regional

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Cuidado para cortar o ovo marinado Fotos: Nikko Fotografia
Para chegar ao lámen ideal, Koitani e sua equipe passaram quase três meses pesquisando fornecedores e a qualidade dos ingredientes do Brasil para evitar a necessidade de importação de insumos.

Não precisaram ir muito longe para encontrar o que buscavam. No macarrão, por exemplo, o chef deu um toque de brasilidade com farinha de tapioca. O broto de bambu que acompanha o macarrão é comprado em Arujá (enquanto ainda está disponível no mercado), o missô, de Mogi das Cruzes e o shoyu, de Campinas.

O cozinheiro Hiroki Shima, que veio ao Brasil junto com Koitani para desenvolver o projeto do Jojo Ramen contou que já preveem a substituição do broto de bambu fresco, pois é um ingrediente sazonal. “Depois que acabar a época, pretendemos trocá-lo”, avisou.

“O que nós estamos tentando mostrar é que, nesse curto espaço de tempo, conseguimos reunir alguns ingredientes que possibilitam essa qualidade de gosto e sabor”, acrescentou Koitani ao ressaltar a importância do umami (o quinto gosto) na hora de explorar a complexidade do paladar.
Por mais que seja difícil ter os mesmos ingredientes e com o mesmo padrão dos que são encontrados do outro lado do mundo, o chef destaca que é possível, sim, encontrar bons insumos por aqui.

“Nossa intenção é estabelecer um patamar de qualidade alto, com produtos que sejam, de preferência, brasileiros, e se isso servir de inspiração para os demais restaurantes, nossa mensagem terá sido dada”, completa o ramen master Koitani.

Ramen master

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O Ramen Master Takeshi Koitani veio ao Brasil para desenvolver o cardápio do jojo Ramen Fotos: Nikko Fotografia
O chef Takeshi Koitani é reconhecido no Japão como um Mestre de Lámen, ou Ramen Master. Ele começou a trabalhar com o prato há 13 anos, mas antes disso, dedicou cinco anos a experiências gastronômicas pelo Japão. Provou-o em suas diferentes versões e seu aprendizado acabou vindo dessas degustações. “De tanto comer, passei a ter vontade de preparar o meu próprio lámen”, conta Koitani ao lembrar que no começo voltava para casa e tentava fazer igual. Com o tempo, esse repertório gustativo lhe deu base suficiente para reunir o que considerou as melhores características de cada um para criar o próprio estilo: o “garyu umami soba”.

“Essa é a minha pegada original e provavelmente seja o motivo para que eu tenha ganhado esse reconhecimento de ramen master”, explica.
Para o chef, que come a massa praticamente todos os dias, a sua paixão pelo lámen é o que o motivou a ir atrás de seu sonho e adquirir experiência na cozinha. “O autodidatismo conta muito. No começo eu também não sabia muito sobre o assunto, mas com o tempo fui atrás da minha própria receita”.
O que Koitani fez foi buscar as características únicas de cada lámen para criar uma versão própria, original. “Afinal, assim como em outras áreas”, observa, “se você opta por fazer uma cópia, sempre será qualificado como tal”.

Mais sobre o Jojo Ramen

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Lámen do Jojo Ramen Fotos: Nikko Fotografia
A casa de lámen foi inaugurada no dia 4 de maio de 2016, e fica no bairro do Paraíso, em São Paulo.

No cardápio, as opções de lámen são centradas no caldo tonkotsu, que pode ser temperado somente com sal, com shoyu ou missô. Cada um tem suas particularidades: o macarrão mais grosso acompanha a sustância do caldo com missô, que ganha corpo e profundidade com um toque de tomate (rico em glutamato – aminoácido que proporciona o gosto umami); o tsukemen, que faz sucesso em Tóquio, tem um sabor presente de peixe e é levemente ácido e o chashu, que também cobre uma porção de arroz na versão de chashudon, é grelhado em uma churrasqueira gengiskan.

Para colocar o projeto em andamento, Simone Xirata e seus sócios escolheram a localização a dedo, já que a região do bairro Paraíso, em São Paulo, concentra escritórios de empresas japonesas e japoneses que vêm ao Brasil temporariamente a trabalho. “A ideia era garantir que teríamos um público que realmente aprecia um bom lámen e trazendo um público de japoneses também atrairia o público brasileiro”, explica Xirata.

O cardápio ficou por conta do ramen master Takeshi Koitani, que foi encontrado no período da pesquisa de mercado. A administradora de empresas entrou em contato com os restaurantes listados como os 100 melhores do Japão e explicou que estava em busca de alguém que pudesse ensinar e quisesse disseminar a cultura do lámen, e o mais importante: “temos a mesma visão de querer fazer o melhor lámen do Brasil”.

Clique e assista ao vídeo

Jojo Ramen from Rafael Salvador on Vimeo.

JōJō Ramen
Onde: R. Dr. Rafael de Barros, 262 – Paraíso, São Paulo – SP
Tel: (11) 3262-1654
Horário de funcionamento: 2ª a sábado – das 18h30 às 22h

O verdadeiro lámen

Lámen ou miojo?

Receita de lámen com cogumelos

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