Conteúdo da Hashitag #06

Entrevista: Marcelo Fernandes

Marcelo Fernandes
Marcelo Fernandes é sócio dos restaurantes Kinoshita, Attimo, Clos de Tapas e Mercearia do Francês fotos: Rafael Salvador

Para quem vê de fora, a administração de um restaurante parece algo impossível. Trabalhar com produtos perecíveis, treinar equipes, negociar com fornecedores, lidar com clientes… possivelmente tudo ao mesmo tempo.

Obviamente, não é uma rotina fácil.

Na entrevista a seguir, o empresário Marcelo Fernandes, sócio dos restaurantes Kinoshita, Attimo, Clos de Tapas e Mercearia do Francês, fala sobre desafios, dificuldades e oportunidades que fazem parte do negócio da gastronomia no Brasil – e por que isso é fascinante.

Entrevista: Marcelo Fernandes

Desde o começo, como se desenvolveu sua carreira nos negócios?

Felizmente, comecei a trabalhar muito cedo. Meu pai sempre se esforçou muito para eu estudar em escolas particulares. Em certa ocasião, acabei repetindo de ano, e vi que meu pai ficou muito frustrado. Aquilo me machucou muito.

Uma forma como eu poderia tentar amenizar essa frustração dele era começar a trabalhar. Meu pai tinha um escritório de advocacia e contabilidade. Então eu disse: vou trabalhar com o senhor. Comecei a trabalhar com ele em meio período.

Isso me deu muita segurança de vida, pois meu pai era muito rigoroso. Não era moleza, não. Tinha de chegar no horário, sair no horário e cumprir as tarefas. Isso foi me doutrinando.

Ao mesmo tempo, comecei a procurar minha independência. Assim, eu, com 16 anos e já emancipado, estava tentando abrir a minha empresa. A vida sempre foi assim: em busca de superação das adversidades.

Você é amigo do chef Alex Atala desde os tempos de escola. Como surgiu a ideia de abrirem juntos um restaurante?

Certa ocasião, havia saído para comer alguma coisa. Fui até o Shopping Higienópolis, na inauguração, mas estava muito cheio. Saí de lá e fui para o Jardins. Passei na frente do Namesa, onde o Alex Atala era sócio. Havia uma vaga bem na frente. Quando eu estacionei, o Alex mesmo veio abrir a porta.

Comemos, conversamos… Daí eu falei: “Alex, vamos abrir um restaurante”. Ele perguntou: “Ah, quer mesmo?”. “Sim, quero e quero muito”. Eu queria abrir em Salvador, porque naquela época, meu irmão estava morando lá e vi uma possibilidade de crescimento lá. Mas decidimos montar aqui mesmo.

Montamos o D.O.M. – foi mais ou menos assim. No D.O.M., fiquei de 5 a 6 anos, com o objetivo de torná-lo um dos melhores restaurantes.

Foi sua primeira experiência nesse segmento?

O D.O.M. foi a primeira experiência, extremamente importante. O Alex Atala me deu a segurança de que eu poderia implementar a minha gestão. Assim como ele também tem um lado empresarial.

Isso foi muito importante, pois ele deixou eu implementar a minha gestão, mas passou orientações e diretrizes para que houvesse uma boa sintonia. Mais do que isso, sempre tive um respeito e admiração muito grande por ele. Desde os tempos da escola, ele fazia as melhores bagunças, era o mais criativo.

Para o empresário, em uma sociedade, é mais fácil antes ter o respeito profissional para depois criar a amizade

Como é a administração de um restaurante?

Restaurante é algo muito estressante. Para fechar a cadeia, é muito complexo. Precisa desenvolver o fornecedor, comprar matéria-prima, receber a matéria-prima, transformar a matéria-prima, apresentar, vender e receber muitas vezes em tempo menor que cinco ou seis horas.

Nós recebemos o peixe aqui [no Kinoshita] às seis, sete da manhã, tem que limpar etc. para meio-dia vender e receber às 14:00. É muito complexo, tem que estar muito comprometido, muito determinado com esse processo.

Isso foi me fascinando. Em um restaurante, não pode haver erro. É um processo até maior que uma indústria ou comércio, pois é preciso estar em constante treinamento com a equipe.

Enquanto o cliente – que eu prezo muito, que é a estrela dos meus negócios – está vindo se divertir, se nutrir, nós estamos aqui trabalhando. Temos que ter essa segurança de recebê-lo da melhor forma possível.

O que você considera fundamental para formar e manter uma boa sociedade?

A sociedade é como um casamento, mas você não tem a vantagem de ter filhos ou dormir com seu sócio [risos]. Existem outras coisas. A convivência tem que ser harmoniosa, de muito respeito. Cada macaco tem que estar no seu galho. Se dois macacos estiverem no mesmo galho, ele quebra.

Hoje em dia, não falo mais que é a somatória. Tem que multiplicar o potencial de cada um e respeitar. Não adianta eu falar para o Murakami que no prato dele está faltando sal ou que está com muito sal; que está mal esteticamente ou bem esteticamente.

Posso, sim, dar minha opinião para ele, mas tenho que confiar no talento do chef – e o inverso é verdadeiro. Se tem que fazer uma aquisição, controlar alguma coisa ou mandar funcionário embora, por exemplo. Esse respeito mútuo é o que faz uma boa sociedade.

E a amizade?

Marcelo Fernandes
Para o empresário, em uma sociedade, é mais fácil antes ter o respeito profissional para depois criar a amizade
É mais fácil antes ter o respeito profissional e depois criar a amizade. É fato que com o Murakami eu tenho uma coisa superior. O Murakami é meu irmão japonês. Eu tenho um carinho muito grande pelos meus sócios. Acho que tem que ter essa admiração. Em um momento mais extremo, numa adversidade, você se controla um pouco mais em virtude do respeito.

O que você viu no Kinoshita, ainda na Liberdade, que fez você decidir investir nele?

Eu tinha prazer de ir ao Kinoshita e era fã incondicional do Murakami. Essas duas coisas foram determinantes para montar o Kinoshita aqui na Vila Nova Conceição.

Eu já frequentava o Kinoshita, porém, sentia realmente uma dificuldade de ir ao centro, o horário era restrito, o serviço era muito diferente… Eu via o potencial. Vi que era apenas questão de ter muito comprometimento e fazer a coisa acontecer.

Mais do que isso, antes de montar o Kinoshita, eu queria entender mais sobre o Japão. Por isso, o Murakami e eu fomos ao Japão, ficamos 45 dias, viajando, fazendo pesquisas. Fomos buscar as louças em Arita, os hashis especiais, tudo. Queria que os clientes sentissem como se estivessem no Nihon [Japão, em japonês] sem precisarem ir até o Nihon. Esse foi meu maior desejo.

Depois dessa visita, você foi em outras vezes?

Estive no Japão por seis vezes. Cada visita é uma emoção diferente. Obviamente, a primeira foi muito emocionante. As pessoas comentaram: “você foi para o outro lado do mundo”. Não. Eu fui para um outro mundo. Essa foi a sensação na primeira vez em que fui ao Japão.

Estive no Japão em novembro [2012], com a minha esposa, por convite especial da Jetro [Japan External Trade Organization]. Fui conhecer Kumamoto [província no sul do país], conhecer pequenos produtores. Foi incrível, extremamente gratificante, porque eu consegui conhecer um pouco mais a essência japonesa com o produtor. Foi uma experiência incrível.

Em todas as vezes, logo ao voltar ao Brasil, eu penso: quero voltar amanhã para o Japão. A cada ano, vou ficando mais japonês.

O produtor japonês é muito diferente do brasileiro?

Eu vejo diferença no produto. Comi uma cenoura in natura. A beleza, o sabor, a doçura… O produtor me fez um suco de cenoura. Fiquei tão admirado que ele percebeu, se emocionou e me deu de presente uma garrafa do suco. Essa é só uma das situações que a gente vivenciou nessa feira. Depois, teve o contato com o produtor nas rodadas de negócio, que eu fiquei fascinado mesmo.

Obviamente, temos muitas pessoas no Brasil que fazem um trabalho excepcional com os produtos, especialmente os orgânicos, mas vejo que, via de regra, todo produto japonês é um produto de extrema qualidade, com extremo capricho, extrema atenção. Todos os produtos são iguais, no sentido de terem o mesmo sabor. É um produto vivo. O japonês, em geral, tem esse respeito.

Aliás, uma das coisas pelas quais mais fico fascinado pelo povo japonês é o respeito.

Você pode falar sobre os planos de abrir o izakaya?

É um projeto que nasceu nessas visitas ao Japão, tirando o Murakami da zona de conforto, em busca de trazer algo mais acessível a todos. O projeto do izakaya é isso: é levar o padrão kappo do Kinoshita para um número maior de pessoas.

O kappo izakaya nasceu exatamente com essa possibilidade, de criarmos um ambiente extremamente interessante, nipônico, onde a gente consiga atender as pessoas com o padrão de qualidade que temos aqui no Kinoshita a um custo mais acessível.

É um projeto que estamos vendo se conseguimos implementar no segundo semestre de 2013. Estou muito focado para que isso aconteça.

Em relação à época em que você começou a trabalhar com gastronomia e agora, como evoluiu o mercado no Brasil?

Realmente, de forma geral, está acontecendo uma grande evolução e conscientização tanto do governo como dos empresários, de haver um critério de profissionalização.

Aumentou muito o número de restaurantes, hotéis etc. Sou de uma época em que havia poucos restaurantes aqui em São Paulo, e eram aqueles mais tradicionais: Fasano, Rubayat, Dom Curro… Hoje, pegue a revista Veja SP, que eu respeito muito, e veja a quantidade de restaurantes que tem. [O mercado] Foi se profissionalizando, foi se formando uma busca por profissionais, a competitividade tornou-se cada vez maior, os fornecedores perceberam uma oportunidade de negócio – e a cadeia foi aumentando.

Hoje temos mais opções de fornecedores, uma logística mais adequada, apesar do nosso sistema ser extremamente caótico. Ao mesmo tempo, existe uma competição entre os donos de restaurante para ter os melhores profissionais. Aqui, estou criando critérios, plano de carreira, para reter os talentos, para eles não irem para a concorrência apenas por questão de remuneração.

Hoje a competitividade está bem maior, mas é uma competitividade que eu imagino ser melhor também para o segmento. Por quê? Porque quem lucra com isso é o nosso cliente, esse é o benefício maior.

Qual a dificuldade em montar a equipe de um restaurante?

Realmente, montar a equipe é uma das coisas mais árduas no nosso segmento. No meu caso, tenho vários tipos de restaurante. Cada restaurante tem um segmento definido: japonês, italiano, espanhol, francês. Não consigo ter uma única linha. Cada equipe deve estar treinada e formada para atender em cada tipo de estabelecimento.

Imagine formar uma equipe para culinária japonesa, que requer precisão; uma cozinha espanhola de alta qualidade, de muita capacitação técnica; uma cozinha italiana, com contexto ítalo-caipira. A gente até consegue as pessoas, mas formar e treinar é muito trabalhoso.

[No Brasil] Não tem a cultura, por exemplo europeia e japonesa, de ser uma profissão que os filhos e netos têm orgulho dos pais e dos avós. “Meu pai é sushiman”. “Meu avô é chef de cozinha”. “Meu tio é maitre”. Existe a cultura de que é uma profissão. Aqui, durante um longo tempo, era subemprego. Hoje, felizmente, estamos mudando essa realidade.

Essa formação tem que começar da base, com as escolas e universidades. Imagino que, a médio prazo, a tendência é mudar bem.

Qual a sua perspectiva da gastronomia em cinco anos?

Eu vejo uma evolução muito grande. Hoje mesmo, somos um país reconhecido internacionalmente pela nossa gastronomia. A cada dia, a gente avança um pouco mais. Muitos chefs, de várias nacionalidades, vêm aqui para ver o que estamos fazendo. Se existisse um incentivo maior por parte do governo, a coisa tenderia a se tornar muito mais vantajosa para todos.

Se governo, pequeno produtor e restaurantes conseguissem trabalhar em conjunto, nós seríamos imbatíveis. O governo incentiva o pequeno produtor, e os restaurantes vão ter produtos de primeira qualidade. Nós vamos oferecer o melhor para o cliente.

Gostaria muito de levantar a possibilidade de haver uma integração maior e incentivo, e acreditar que o governo poderia fazer mais por nós e para os colaboradores. Isso, para mim, seria uma coisa muito saudável e possível.

Se houver essa integração, nos próximos cinco anos, nosso país estará muito reconhecido, um país de ponta mesmo em matéria de gastronomia. Com tudo o que está por vir – Copa do Mundo e Olimpíadas – se a gente for rápido e conseguirmos ter tudo isso muito mais bem definido, tenho convicção de que os turistas que estão vindo sairão daqui muito mais felizes.

Porque não é só vir para um país maravilhoso. É muito bom ir a um país maravilhoso, ser muito bem atendido e sair muito satisfeito com nossos ingredientes, produtos e estabelecimentos. Eu torço muito para que isso realmente aconteça o mais rápido possível.

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