Conteúdo da Hashitag #08

Sobá de Campo Grande: patrimônio cultural imaterial

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fotos: Jo Takahashi

No início, era só um prato dos imigrantes que vieram de Okinawa para as terras de Mato Grosso do Sul, que o consumiam reservadamente por receio de serem tachados de exóticos. Só que os habitantes locais, por curiosidade, resolveram experimentar, e o sobá dos okinawanos caiu no gosto popular. O sobá de Campo Grande sofreu adaptações a partir da receita original do Okinawa Sobá, e adquiriu o status de bem cultural de natureza imaterial, por meio do decreto municipal n° 9.685, de 18 de julho de 2006 e foi tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

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Processo de resfriamento do sobá. Dona Dirce, ao fundo
A história do sobá caminhou com a “Feirona” de Campo Grande, fundada em 1925. No começo, eram barracas, montadas na calçada. Hoje, a “Feirona”, denominada oficialmente Feira Central e Turística, ocupa a Esplanada Ferroviária, um amplo espaço coberto que reúne 200 lojas de artesanato regional e produtos hortifrutigranjeiros, onde o carro-chefe são os 28 restaurantes de sobá, que funcionam às quartas e nos finais de semana, madrugada a dentro. Alvira Appel Soares de Melo, presidente da Associação da Feira Central e Turística de Campo Grande (Afecetur), uma “descendente de germânicos com nordestino”, como ela mesma se apresentou, conta com orgulho que a feira é o grande símbolo da cultura e do turismo na cidade. O Festival do Sobá, que é realizado todos os anos em agosto, chega a movimentar 200 mil pessoas, e é animado com espetáculos de danças folclóricas de Okinawa a shows de música sertaneja com grandes estrelas do gênero.

Alvira conta que hoje os restaurantes instalados na feira são capazes de servir 6.000 unidades de sobá por noite e que, para isso, foi feita a capacitação profissional dos cozinheiros e a normatização do preparo do macarrão, produzido por pequenas fábricas familiares. “São cerca de doze fábricas instaladas na cidade”, diz.

Além da feira, na cidade existem mais 55 restaurantes especializados na iguaria. São quase dois mil empregos diretos e indiretos envolvidos com o sobá – desde a produção do macarrão até o fornecimento para estas quase uma centena de pontos de preparação. É bastante, para uma população de pouco mais de 800 mil habitantes.

Sobá de Campo Grande

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Sobá do chef Shimada
O sobá é originalmente feito com macarrão de trigo sarraceno, mas em Campo Grande ele é feito com farinha branca, mais próxima do udon. Seguindo sugestões dos moradores, fomos visitar uma das importantes fábricas de sobá.

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Alvira Appel Soares de Melo (Presidente da Associação da Feira Central e Turística de Campo Grande).

Dona Dirce Guenka fabrica sobá há 24 anos, sempre em regime familiar. Suas filhas mantém um restaurante especializado, bem ao lado da fábrica, que funciona atrás de sua ampla residência. São 160 quilos de macarrão que saem por dia de lá, distribuídos para mais de dez restaurantes. A receita do sobá? Água, farinha, sal, ovo e glutamato monossódico. Antigamente, eram usadas cinzas vegetais, mas a instabilidade no fornecimento do produto retirou-as da receita, sendo substituídas por processos mais demorados de sova da massa. Mas o segredo mesmo, constatamos no processo de fabricação. Após a fervura, o macarrão recebe uma camada de óleo e é resfriado naturalmente, com o auxílio de ventiladores. O macarrão assim absorve o óleo, aumentando a sua durabilidade, dispensando o uso de conservantes. Esta técnica faz com que o macarrão obtenha uma camada externa mais resistente, conservando o núcleo mais mole, conferindo uma textura característica.

E quanto ao caldo? Aqui as receitas variam de restaurante para restaurante. Na versão original, de Okinawa, entram osso de porco (tonkotsu), shoyu, saquê, sal e gengibre. A grande diferença com o caldo de udon japonês é que não é usado o caldo de peixe (dashi). Esse caldo é servido numa tigelona, onde entram o macarrão, carne (que podem ser fatias de carne suína ou bovina, mas os campo-grandenses preferem a bovina), cebolinha e omelete picada. Além disso, o gengibre ralado, servido à parte.

Mas com tantos restaurantes servindo o mesmo prato, existe alguma distinção? Na realidade, a diferença é tênue. Pode estar na consistência do macarrão, ou no tempero do caldo. E qual é o melhor restaurante de sobá da cidade? As recomendações apontaram para o Restaurante Shimada, do jovem chef e proprietário Newton Shimada. Diferente dos restaurantes da Feirona, Shimada inclui em seu cardápio, alguns pratos okinawanos, como o Tofu Champuru. Seu sobá é fabricado lá mesmo e leva os mesmos ingredientes, só que em proporções diferentes, pois seu sabor é mais acentuado, o que dá uma potencializada no conjunto. No topping, somente carne bovina, para atender o gosto da maioria de seus fregueses, a omelete imprescindível e a cebolinha, sempre acompanhados do gengibre ralado.

O que merece registro é que esse prato, que em sua origem foi de Okinawa, mas que se aclimatou em Campo Grande e caiu no gosto popular, e mais, foi adotado como a culinária representativa de uma cidade brasileira a ponto de ser indicada como Patrimônio Cultural Imaterial, não é encontrado em nenhum outro lugar do país, nem do mundo.

E ainda sobra dinâmica e criatividade nesse caldo. No ano passado foi lançado por alguns restaurantes, o sobá pantaneiro, que usa carne de sol, e o sobá com tofu, ainda em fase experimental para testar a aceitação. Além disso, cinco donos de restaurantes da Feira criaram uma franquia de sobá, para agregar mais valor ainda ao produto e fazê-lo propagar pelo país. A franquia foi elaborada em parceria com o Sebrae, a Associação Brasileira de Franchising e a Incubadora Municipal de Alimentos Norman Edward Hanson.

O sobá de Campo Grande ajudou a consolidar a identidade cultural dos imigrantes okinawanos, favoreceu a integração com os brasileiros e agora dá lições de sustentabilidade econômica.

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Monumento ao sobá

Conheça o soba tradicional

Receita: Zaru Soba

Restaurante Shimada

Campo Grande

  • onde Rua Antônio Corrêa, 776   Campo Grande - MS
  • telefone (67) 3324-9752
Jo Takahashi Jo Takahashi foi consultor de arte e cultura na Japan Foundation, onde atuou por 25 anos como administrador cultural. Agora, migra essa experiência para a sua produtora independente, a Dô Cultural, que propõe um conceito design de formatar e desenvolver o projeto cultural.
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