Conteúdo da Hashitag #21

Perfil do chef: Tadashi Shiraishi

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Fotos: Rafael Salvador

Com experiências internacionais ao lado de chefs renomados como Nobu Matsuhisa, o chef Tadashi Shiraishi decidiu voltar para o Brasil para concretizar seu projeto de um restaurante único explorando a cozinha autoral com base na culinária japonesa.

Em entrevista à #Hashitag, Shiraishi compartilhou os aprendizados que traz de sua carreira e mostra que, mesmo em tempos de crise, essa é a hora certa para inovar.

Experiências e aprendizados

    “A minha carreira esteve voltada para o mercado internacional desde o início. Quando comecei a trabalhar em restaurantes japoneses em São Paulo, percebi que existia um padrão que me incomodava: todo mundo fazia a mesma coisa. Fiz uma lista de restaurantes onde eu queria trabalhar para entender o mercado da culinária de São Paulo e essas experiências foram muito importantes.

    Mas, ainda não entendia por que a comida daqui não me emocionava, então decidi me mudar para o Japão e buscar as minhas raízes culturais.

    A história da imigração japonesa no Brasil tem mais de cem anos e é natural encontrar, hoje, uma cultura diferente: a cultura nikkei brasileira (de imigrantes e descendentes de japoneses). Ela não é errada ou pior, só é diferente. E com o passar dos anos, a comida também ficou diferente.”

Em busca das raízes da culinária japonesa

    “Só quando fui para o Japão em 2009 é que encontrei respostas. A culinária japonesa é muito mais profunda e nós, profissionais da gastronomia, somos responsáveis por difundir essa essência. A comida japonesa não é só o prato ou só o ingrediente. Um dos fatores-chave é o omotenashi, que inclui a recepção e a hospitalidade como parte da experiência no restaurante.

    Decidi recomeçar do zero, lavava louça e fazia limpeza sem receber nada. Um dia, o chef me falou que não sabia quando eu poderia começar a fazer comida e eu respondi que meu objetivo mesmo era entender onde o vínculo com a culinária tinha se perdido. Foi quando percebi que estava no lugar certo.”

Referências de família

    “Desde pequeno costumava ajudar minha avó e minha mãe na cozinha. Sempre soube que queria cozinhar. Lembro que minha avó cozinhava coisas simples como oden, nishime, inarizushi e pratos com caldos em geral e, até hoje, tenho a comida dela como referência de melhor comida japonesa.
    Gosto de vários estilos da culinária japonesa e gosto especialmente do estilo da comida de Shikoku (a menor das quatro ilhas principais do Japão), com katsuobushi, yuzu e sabores cítricos.”
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Futomaki de siri mole Fotos: Rafael Salvador

Vivências no exterior

    “Em 2011, recebi um convite para trabalhar com Nobu Matsuhisa, na Grécia, e fui. Eu sabia que ele era moderno e que já tinha uma visão de negócios. Nobu-san me ensinou a ter uma visão menos romântica da culinária porque, para mim, comida sempre foi romantismo puro. Até então, nunca tinha me colocado à disposição para entender o lado do empresário porque acreditava que restaurante não era business. Hoje vejo que comida não é business, mas restaurante é.

    A rede NOBU tem mais de 30 restaurantes no mundo todo, com padrão no nível de atendimento e isso é muito importante. Quando cheguei lá, ele me disse que não ia me ensinar a cozinhar, porque isso eu já sabia. Eu tinha sido chamado para treinar novas equipes do NOBU para continuar abrindo novos restaurantes. Passei por um treinamento para entender como os serviços eram segmentados na cozinha, serviço, atendimento, planilha, e controle financeiro.

    O operacional de Mykonos (Grécia) e St. Moritz (Suíça) eram sazonais porque iniciávamos cada temporada com uma equipe nova, como se estivéssemos abrindo um novo restaurante. Fiz isso por três anos e tínhamos que treinar todo mundo. Em Paris (França), e em Munique (Alemanha) também foi a mesma coisa, só que com pessoas diferentes.

    Essa dinâmica era o que faltava para mim e foi então que começou meu planejamento para abrir o meu próprio negócio.”

A modernização da cozinha

    “Antes de voltar para o Brasil, já tinha um plano de negócios e sabia o que eu queria fazer, mas ainda faltava a motivação certa. Isso eu recebi mais tarde do Nobu-san. Ele me fez enxergar uma coisa muito bonita sobre estilo de cozinhar: aprendi que é possível ser moderno sem deixar de lado as raízes da comida japonesa.

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    Entrevista com Tadashi Shiraishi Fotos: Rafael Salvador
    Certo dia, numa conversa muito franca, ele me disse: ‘Mude o seu ponto de vista. O que se vê hoje nos demais restaurantes é fruto de um trabalho de muitos anos, apenas parte de um ponto de vista diferente do seu. Cabe a você aceitá-la como um caminho diferente, mas você pode encontrar caminhos próprios’.

    Para não perder o eixo, ele disse que o grande segredo para fundir cozinhas é muito simples: é preciso saber muito bem pelo menos uma delas. Uma vez que se compreende as bases da cozinha, você pode fazer o que quiser. É como um compasso que tem uma ponta seca e outra móvel. Se você tiver um pé fixo no Japão, por exemplo, pode ir para qualquer outro país e encontrar diferentes níveis de inserção.

    O problema é que nessa pressa de ter tudo, de todo mundo querer ser chef, de tudo ser fusion, a gente não pensa em como se aplica cada ingrediente. Pegar um produto e simplesmente juntar com outro é fácil, mas manter a identidade de cada um juntando os dois é mais complicado e é preciso ter conhecimento.

    Todas as composições de pratos que desenho dão a sensação de umami e se o ingrediente não tem a concentração de aminoácidos suficiente, procuro evidenciá-lo com dashi, maturação e técnicas de cozinha.

    Escolhi o ano de 2015 para vir para o Brasil exatamente por ser um ano de recessão, que é quando o dinheiro troca de mãos. Quando todas as formas começam a implodir, é o momento de testar coisas novas. Por isso, quis apresentar uma comida diferente de tudo que já tinha na cidade. Minha proposta no UN [onde esteve até janeiro de 2017] era mostrar que não se tratava de mais um restaurante comum que as pessoas já estavam acostumadas.

    Gosto de pegar produtos que você não veria em um restaurante japonês mas que quando você come tem gosto de comida japonesa. Isso porque o ponto de partida é a culinária japonesa. Por exemplo, fazíamos uma salada de espinafre com queijo grana padano, alho poró crocante, azeite e yuzu. A única coisa japonesa mesmo ali é o yuzu, mas quando você come, alguma coisa ali vai lhe dizer que é japonês. Explorar o umami natural do alimento é uma busca constante.

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Salada de cogumelo eryngi com queijo grana padano, alho poró crocante e yuzu Fotos: Rafael Salvador

Ingredientes brasileiros e sazonalidade

    “Podemos entender o ingredientes brasileiros de duas formas: o ingrediente tipicamente brasileiro e o ingrediente estrangeiro produzido no Brasil.
    Um ponto que levo em consideração é o tempo que o alimento leva para chegar à cozinha e o impacto que isso tem na natureza. Por isso, dou preferência aos pescados da nossa costa.

    Para a estação mais quente, a ideia é a apresentar comidas mais leves, algumas mornas ou geladas. Apesar de encontrarmos praticamente tudo o ano todo, algumas frutas e verduras são melhores em determinadas épocas.

    Por isso, o cardápio vai mudando, mais focado em frescor e menos em gordura ou preparações quentes, sempre ligado aos elementos da natureza que lembrem a estação. Outro detalhe é a troca do oshibori (pano úmido) e do chá verde que passam a ser servidos frios para mudar a experiência tátil.

    Sempre que voltava para o Brasil, testava ingredientes nacionais e isso me deu a certeza de que era possível montar um restaurante com padrão internacional com ingredientes locais. Se foi difícil? Pelo contrário. O Brasil me dava tantos desafios que isso foi uma motivação a mais. A graça está em usar o que se tem à mão e fazer um prato incrível.

    Não é simples fazer com que os ingredientes tenham o mesmo gosto já que os produtos têm gostos diferentes em cada lugar. Isso só vem com o estudo e a prática. O cozinheiro tem que experimentar, errar e arrumar. Mais do que seguir receitas, na cozinha, existem padrões. Por isso, na hora de fazer a comida, é preciso testar e saber identificar os porquês. Isso é cozinha.”

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